quarta-feira, 11 de abril de 2012

Salto Mortal (às mascáras que já não cabem ou jamais couberam).

Eram quatro crianças e uma negra. Tinham a mesma altura, mas não o mesmo cabelo. Sentia-se menos diferente do que de fato era. Sentia-se exceção, tanto do resto do mundo, quanto dos seus. Corriam. Claro que todos descalços corriam, como quem quer fixar a cara nos afalto que tenta se manter, pra deixar sua marca, tanto tenta que distorce, tanto tenta se alcançar que perde o folego. E ali corriam e ela ficava pra trás. Mas só ficava pra trás na corrida, porque seus saltos - de consciência - eram tão altos quanto eram mortais, a quem ela fingia ser. Diversas vezes, era achada assim parada, assim sem fala. Era ali, naquele instânte que ela caia, do salto passado. Entendia e caia, sem poder se apoiar nos pais que tinham decidido sentar no caminho, os amigos que mal percebiam que ali era um caminho. Foi-se então que chegaram ao ápice, sentavam, os espertões.
- Hoje sonhei um pesadelo. - Assim, dizia o primeiro, reproduzindo a inocência de Guimarães, e mal sabiam ler - E foi horrivel, porque todo mundo me olhava e se afastava. Acredita que uma velhinha até atravessou a rua com medo? De mim? Uma criança. - Se vira, tão frágil e tão real da sua condição de pequeno, que esquecia a forma que o mundo olha diferentemente as diferentes crianças. A negra, que não era criança nem pros homens que ali apostavam suas fichas em quantos meses faltavam pra nascer a primeira criança - esta sim, criança - muito menos para si, que era obrigada a saltar, quase todos os dias do conforto que não tinha em casa, para o enfrentamento ou o próprio suicidio. Ela então, interveio:
- Eu sei. - Soltou uma lágrima, incolor como queria ser. Mas errava. E logo a seguir entenderia, que eles jamais entenderiam. Surpreendeu-se.
- É assim, Neguinha, que você se sente? - Chocou-se.
- É por isso que quando vamos comprar balas, você fica fora da loja? - Entendeu o segundo.
- É verdade, aquele dia o porteiro interfonou quando você chegou e nós entramos direto...
- Vocês entendem, mas não sentem. Então, não entendem.
- Vamos entender agora. - Sorriu o menino de cabelos loiros, e enfiou a mão no barro que a chuva havia lhe dado, quase como uma luva. Passou no rosto, e olhou pros outros esperando por resposta. Todos eles passaram, acompanhando o lider, o amigo.
Sairam então correndo, rindo. 'Somos negros, somos igual a Neguinha'. Ela correu atrás, por um instânte acreditou não ser mais só. Acreditou que assim entenderiam. Mas por um dia? Parou-se. Obrigou-se a parar, a fechar o riso. A olhar pro seus amigos, que amava, e sentir-se pior do que antes. Eles brincavam agora com o que ela era e sofria em ser. Eles riam, porque podiam. Porque era extremamente fácil pra eles serem o que quisessem ser, porque não eram. Não havia um peso esmagador, ou uma falta de oportunidades. Lavariam-se e assim deixariam todos os defeitos na pia, enquanto o lindo rosto branco encaixaria em qualquer outra propaganda.
Mas aí, houve uma contradição que esmagaria uma amizade. Da inocência de um criança e querer modificar o mundo e acreditar em que as coisas seriam resolvidas assim, que um sorriso no rosto dela significaria o mundo se render... E da mascara branca que ela não podia vestir, e assim, mantinha-se com a outra - que depois aprenderia a se orgulhar - todas as manhãs, tardes e noites. No riso então carregava a vergonha, que não era dela.

Se despediu, pra outro salto. Este que deixou cair o medo, a vergonha e a inocência. Não era criança, não podia ser, não a deixaram ser, precisava entender logo, desde cedo. Ela era cor que a vestia. Assim born woman. Assim sem escolha, mulher preta.

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